O PODER DO JALECO

“O espelho“, conto de Machado de Assis – escritor pelo qual sou apaixonada -, mostra de maneira singular como o ser humano, em muitas situações, precisa de máscaras para viver; quem sabe até para sobreviver.

Na história, um dos personagens só consegue ver sua imagem refletida no espelho quando está com o uniforme de alferes, um antigo posto militar, hoje correspondente a segundo-tenente. Sem a farda, ele apenas vê uma imagem distorcida, um vulto.

A principal mensagem da narrativa é a relação essência X aparência.

Lembrei-me de Machado ao ouvir o relato de um sobrinho no último domingo. Ele é psicólogo, atende em um grande hospital aqui de Maringá e me contou que é impressionante como o seu jaleco tem “poder”.

Explico: quando chega para trabalhar, ainda está sem essa indumentária; ao cruzar as salas de espera e corredores, sua figura passa despercebida. É apenas mais um. Entretanto, quando vai embora, acaba saindo direto do consultório vestido com o dito cujo; então, ao passar pelas pessoas, principalmente pelos pacientes, recebe cumprimentos, sorrisos e não raramente alguém vem puxar conversa.

Algo comum para um ambiente hospitalar? Nada mais natural que o profissional da saúde receber atenção nessas situações? Tenho minhas dúvidas…

Conversando, chegamos à conclusão de que a roupa lhe confere uma certa “autoridade” e de que isso causa, na maioria, a impressão de que é ele é absolutamente confiável.

Se meu sobrinho se deixasse levar pela teoria machadiana, só se enxergaria no espelho quando estivesse com o jaleco; sem ele, deixaria de existir.

Vocês podem estar achando tudo isso uma grande viagem da minha cabeça, mas penso mesmo que não só uniformes, mas cargos, sobrenomes e títulos, por exemplo, podem fazer com que a noção da “essência” se perca e apenas a “aparência” prevaleça.

Eu não tenho títulos. Nunca fui nem mesmo sinhazinha ou miss simpatia; “carrego” comigo apenas o título de graduada. Depois de formada, dediquei-me a “crescer e multiplicar” (éramos dois; hoje somos quatro!) e às aulas e acabei não focando minha atenção a cursos de pós-graduação.

Sei que preciso correr atrás do lucro – ainda dá tempo -, mas também tenho noção do meu valor como professora, mesmo sem ser especialista, mestre ou doutora.

E garanto a vocês que já sofri certa discriminação por ter apenas a graduação; uma discriminação discreta, é verdade, mas não o suficiente para eu não perceber.

Nem sempre é fácil manter a nossa essência; todos nós, em algum momento, somos “convidados” ou “convocados” a usar máscaras e isso nem sempre representa falsidade; são os papéis sociais que precisamos representar diariamente.

O importante é que, ao nos olharmos no espelho, consigamos ver, muito além do reflexo de uma aparência, o reflexo de uma pessoa com essência.

(Por Lu Oliveira)